quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Burrero não perdoa nem Leguisamo

O turfe é uma paixão mundial, mas na Argentina a idolatria pelos ídolos vai além da compreensão e da racionalidade. O “burrero” portenho leva tudo às últimas conseqüências e não quer saber. E se o ídolo foi meio arrogante ou até mesmo não retribuir o carinho recebido, é alvo de xingamentos e de pragas, que muitas vezes podem “pegar” e atrapalhar a carreira. Pero si, Pero no, é melhor não arriscar.

Esta pequena história me foi contada pelo amigo Manolo Epelbaun, jornalista nascido na Argentina e há mais de meio século no Brasil. Nos áureos tempos do turfe em Buenos Aires, havia um burrero que idolatrava Irineo Leguisamo mais do que tudo na vida. Todo páreo, encostava na cerca e quando o piloto entrava em pista, para o cânter, gritava sem parar: “Leguí”, “Leguí”, tentando chamar a atenção do jóquei, buscando um aceno ou até um sinal sobre aquela montaria. Qualquer movimento do campeão seria interpretado como um aviso para mandar bala no guichê.

Certo dia, numa noturna, já não agüentando mais a gritaria daquele fanático, Leguisamo o olhou fixamente e fez um sinal qualquer. Alucinado e feliz, o sujeito contou todos os pesos que tinha no bolso e apostou tudo no cavalo do “amigo” que lhe dera, finalmente, uma dica. Corrido o páreo, Leguisamo chega em quinto lugar. Desolado, o apaixonado e “duro” apostador, encosta na cerca e espera o ídolo passar. Quando o “mestre” se aproximou, vociferou, desolado: “Leguí, Leguí, não quero que morras nunca, apenas que engordes um quilo por semana”.

Outro exemplo da paixão dos argentinos por seus ídolos aconteceu quando o campeão Jorge Ricardo foi contratado pelo Stud Rubio B. e começou a montar apenas nas corridas do meio de semana, isso em janeiro de 2006. Numa das primeiras idas a Buenos Aires, entrou num táxi com destino a San Isidro e notou que o motorista o olhava constantemente pelo espelho retrovisor. O campeão ficou na dele, até achando que estava sendo reconhecido, embora não montasse com freqüência na capital argentina.

Em certo momento, o taxista não agüentou e disse ao brasileiro: “Muito bem, vieste para desbancar o Falero. Vou torcer por você, não me desaponte”. Ricardo desceu do táxi, não deu nenhuma gorjeta, é claro, mas ficou satisfeito com a manifestação.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

A "bruxa" e a falta de energia

Todo verão acontece a mesma coisa. Os refletores do Hipódromo da Gávea ficam completamente rodeados por mariposas, cupins de luz, bruxas e outros objetos voadores não identificados. Não tem jeito, onde existe algum foco luminoso lá estão todos os espécimes voadores de todas as formas e tamanhos. A história que vou contar, como todas que apresento neste espaço, é absolutamente verídica (de verdade mesmo).

Voltando no tempo, na era em que as corridas eram transmitidas apenas pelo rádio, lá estava o matungo, especialista em programações noturnas (no sentido turfístico, claro), de pé, em frente ao seu potente Zeiss, que não chegava a ser como o binóculo oficial, mas dava pro gasto. Competidores próximos ao starting-gate, quase na hora do alinhamento. Com o olhar fixo no reconhecimento dos animais, dava pra ver a multidão de “voantes” que rondavam, enlouquecidos, os refletores da Gávea.

Começa o alinhamento e o matungo-locutor, cheio de voz empostada, preparava-se para mais uma narração. Quase tudo pronto para a largada e, a percepção, no canto do olho, de que um daqueles bichos aterrorizantes iniciava, ainda ao longe, uma missão suicida, tipo kamikaze, em direção à cabine de transmissão. Não sei se pela capacidade de aproximação do binóculo, mas o enlouquecido predador, munido de asas enormes, continuava vindo.

Largou o páreo e o locutor que vos escreve estava com um olho nos cavalos e outro no Boeing 747 que estava cada mais vez mais perto. “Contornam a curva de chegada e entram pela reta final” e o bicho veio. Não tive dúvida, desliguei o microfone e antes que a criatura adentrasse à cabine, pulei fora. Segundos depois, me deparei com “aquilo”, pousado na parede. De imediato, tirei o sapato e dei-lhe uma porrada que dava para abrir um coco. Foi poeira de bruxa pra todo lado, mas saí vencedor.

Instantes depois, preocupado com os ouvintes, abri o microfone e com uma voz consternada, disse: “Por falta de energia em nossos transmissores ficamos alguns segundos fora do ar”. Em seguida, mandei: “Ganhou o número 5 e em segundo chegou o 7”.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

O único jeito foi apagar as luzes

Esta é uma história verídica (de verdade mesmo), ocorrida há décadas no Hipódromo do Cristal e me foi contada pelo principal personagem. Portanto, pra mim, realmente aconteceu. É claro que não vou citar o nome do autor da façanha, um saudoso e querido amigo que já se foi. A história foi mais ou menos assim: a situação estava preta, poucos cavalos para cuidar, dívidas acumulando e a única saída seria dar uma bela "tacada", amparada por um cupincha disposto a investir. Só assim as coisas poderiam melhorar.

Um dos poucos cavalinhos da cocheira, com chance de vencer um páreo, precisava de um "tratamento" especial e, depois de muita luta, nosso bravo treinador conseguiu uma grana emprestada e comprou uns "remedinhos" para levantar a moral do bicho. Medicação feita e o matunguinho já olhava diferente para o cavalariço. No trabalho, veio a confirmação: não podia perder. Agora era achar o parceiro para jogar. E barbadeiro disposto a ouvir uma "história" não faltava. Mas era preciso um jóquei de confiança, que não lhe passasse a perna na hora da verdade.

Cupincha arranjado, jóquei acertado, páreo fraco e tudo estava "nos conformes". O retrospecto do cavalo era triste e a pule, salvadora. No padoque, tudo pronto, chega o apostador, apavorado e diz: "Não arrumei a grana para jogar, o que vamos fazer"? O treinador, desesperado, chama o jóquei e diz: "Olha, não tá valendo não, por favor, dê um jeito de perder". O piloto, com a maior cara-de-pau, respondeu: "Agora é tarde, já mandei jogar pra mim, sinto muito".

Larga o páreo e o cavalo tira três e quatro corpos. Não tem jeito, vai ganhar. Aí, então, nosso herói, enlouquecido, corre até a Casa de Força e, sem titubear, desliga as luzes do hipódromo. Resumo: o páreo foi anulado, descobriram o crime e cassaram a matrícula do pobre coitado, que juntou os trapos e se mandou para o Rio de Janeiro...

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Na era dos blogs, até o matungo aderiu

Antigamente, quando comecei, ser colunista era o sonho de qualquer jornalista especializado. Mas sou do tempo das máquinas de escrever, as famosas Remington ou Olivetti. Fiz o Curso Ted, de datilografia. E passei, com louvor, com sei lá quantos toques por minuto. Quando surgiram as máquinas elétricas foi um sucesso espetacular. E quando veio a Composer, com aquela esfera minúscula? Foi uma grande festa e um alívio para os dedos, cheios de calos. Era fã de O Pangaré, do saudoso e fantástico Haroldo Barbosa, com quem tive a honra de conviver, no Globo, por alguns anos. E, lá pelos idos de 1984, quando fui editor de turfe de O Povo, veio a idéia de homenagear o ídolo dos primeiros anos de jornalismo.

Ora, se Pangaré é aquele cavalo ruim, que não ganha nunca, por que não criar O Matungão, tentando, longe de ter a mesma capacidade de Haroldo, falar com um pouco de humor sobre as coisas do turfe. Enquanto estive em O Povo a coluna sempre foi publicada às quartas-feiras. Quando saí do jornal, o eqüino metido a engraçado entrou em férias. Em 2003, convidado pelo Marcos Rizzon, levei o matungo para o Jornal do Turfe. A coluna de lá continuará nos mesmos moldes. Mas, a modernidade chegou e o universo dos blogs está aí mesmo. A Internet está tomando conta do mundo e as Remingtons e Olivettis já fazem parte do acervo dos museus. Incentivado pelos amigos e jornalistas Karol Loureiro e Fred Raposo, que já são bloggers, resolvi me arriscar por este terreno desconhecido e vou tentar reproduzir por aqui, as manhas e artimanhas do bucéfalo. Todas as quartas ele vai "pintar e bordar" neste espaço, contando histórias engraçadas do turfe e de outras áreas, uma vez que este matungo é eclético. E, como ele mesmo encerra de forma abrupta seus comentários... Chega!